Acção directa: uma introdução

Breve introdução do libcom.org sobre a acção directa e o porquê da sua defesa, em oposição a outras formas de actividade política.

Submitted by Ed on February 12, 2017

Hoje em dia, muitas pessoas encontram-se preocupadas com o rumo que o mundo está a tomar. Quer se trate das suas condições de trabalho, ambiente, habitação, guerra, ou qualquer outro assunto da actualidade, é certo que milhões de pessoas (talvez biliões) irão num determinado momento procurar alguma forma política para tentar resolver os seus problemas.

Porquê a acção directa?

Existem muitos e diferentes métodos que as pessoas poderiam usar para mudar o mundo, mais do que aqueles que conseguimos mencionar aqui. No entanto, pensamos muitas vezes que podemos pedir ajuda junto dos vários “especialistas”, como por exemplo os políticos, líderes sindicais, juristas ou colocando “gosto” nas páginas do facebook.

Na realidade, não é isso que acontece. Políticos e líderes sindicais têm interesses diferentes dos nossos, como basicamente qualquer um que ganhe salários acima dos seis dígitos ou até mesmo aqueles que ganham em torno das 80-90.000 Libras por ano. Tentar procurar protecção através da Lei pode também deixar-nos à deriva, pois as leis que nos protegem hoje podem pura e simplesmente ser mudadas amanhã – assumindo até que elas foram cumpridas em primeiro lugar!

Ao mesmo tempo, podemos escolher por vezes não fazer parte do que de pior compõe o capitalismo. Podemos optar por não comprar certos produtos “antiéticos” ou mesmo cultivar a nossa própria comida. No entanto, o problema disto é que faz a resistência ao capitalismo parecer uma escolha de vida individual, e nem todas as pessoas o podem fazer. Por exemplo, os produtos com denominação “comércio justo” ou biológicos são por vezes mais caros do que os alimentos que encontramos nos hipermercados.

Pior ainda, faz com que os problemas sociais se foquem nas empresas individuais ou nos governos que têm um “mau” comportamento, considerando um problema da sociedade como um todo. E ainda por cima nos deixam a enfrentá-los sozinhos, através das nossas escolhas enquanto consumidores. Continua o negócio do costume, mas agora com diferentes negociantes. A exploração continua e não há nenhuma quantidade de nozes de “comércio justo” que mudem isso.

É por isso que somos a favor da acção directa: porque depende da nossa força colectiva para parar os “negócios do costume” ao invés das nossas opções de vida pessoais ou apelos para políticos e líderes sindicais. E porque, ao fim ao cabo, se trata de contar uns com os outros – com aqueles que partilhamos a mesma situação -, em vez dos chamados “especialistas” que, em última instância, não terão de conviver com os nossos problemas.

O que é a acção directa?

Em poucas palavras, acção directa é quando as pessoas tomam medidas para perseguir os seus objectivos sem a interferência de terceiros. Isso significa a total rejeição do “lobbying” político ou apelando à generosidade dos nossos empregadores para melhorar as nossas condições. Em última instância, não significa que eles não se importem, é que eles lucram com o piorar das nossas condições de trabalho. Para mais informações sobre este assunto, lê a nossa introdução à classe e à luta de classes.

Por isso, tomamos medidas para forçar melhorias nas nossas condições. Ao fazê-lo, sentimo-nos capacitados para assumir o controlo e a responsabilidade pelas nossas acções. A ideia fundamental por trás da acção directa é que dependemos apenas uns dos outros para conseguir lograr os nossos objectivos.

A acção directa ocorre no ponto em que experimentamos a lâmina afiada do capitalismo. Normalmente, isso poderá acontecer no nosso local de trabalho, quando os nossos patrões nos tentam despedir ou fazer-nos trabalhar mais por menos dinheiro. Ou pode ocorrer no local onde vivemos, quando os políticos locais tentam cortar nos gastos públicos ou eliminando serviços.

Acção directa no local de trabalho
Acção directa no trabalho é basicamente qualquer acção que interfira com a capacidade directiva dos patrões, forçando-os a ceder às exigências dos trabalhadores.

A forma mais conhecida de acção directa no trabalho é a greve, que é quando os trabalhadores deixam o seu posto de trabalho até que sejam cumpridas as suas reivindicações. No entanto, a greve pode por vezes ser limitada por burocratas sindicais e leis anti-greve. Dito isto, os trabalhadores ignoram muitas vezes com sucesso esses limites e mantêm greves selvagens, ou não oficiais, que devolvem grande parte do impacto da acção grevista.

Ainda que sejam demasiadas para poder mencionar aqui, algumas tácticas de acção directa usadas por trabalhadores são:

  • Ocupações: os trabalhadores impedem a entrada dos seus chefes no local de trabalho e não deixam os seus superiores substituírem os trabalhadores que aderiram à greve;
  • Greves de zelo: onde os trabalhadores trabalham a um ritmo mais lento do que o habitual, de modo a garantir que é feito menos trabalho (e por isso o lucro é menor);
  • Greves de serviços mínimos: outra forma de acção directa onde os trabalhadores seguem as regras pouco à letra, novamente, de modo a abrandar o ritmo de trabalho.

Existem muitos exemplos do êxito destas tácticas. Em 1999, os trabalhadores do metro de Londres convocaram uma “greve da urina” por não poderem ir para casa depois de finalizarem os seus turnos. Em vez de urinarem nos trilhos, como habitual, eles insistiam em ser acompanhados até à casa de banho pelo supervisor, que tinha que trazer consigo o resto da equipa por razões de segurança. Ao retornar, alguém tinha também vontade, impedindo assim a actividade laboral.

Em Brighton, no ano de 2009, os trabalhadores convocaram uma greve selvagem por causa dos abusos cometidos pela empresa, e nesse mesmo ano os trabalhadores da Visteon de Londres e Belfast ocuparam as fábricas em protesto contra a política de despedimentos.

A acção directa no local de trabalho também tem sido usada com frequência para fins políticos. Por exemplo, em 2008, os estivadores sul-africanos negaram-se a descarregar armas que tinham como destino o Zimbabué.

No entanto, o sucesso da acção directa pode ocorrer também fora do ambiente laboral, bem como sobre uma variedade de questões.

Acção directa na comunidade

Em 2003, a guerra do Iraque provocou milhares de manifestações, incluindo a maior de toda a história no Reino Unido, a 15 de Fevereiro em Londres, onde mais de um milhão de pessoas marchou sob uma chuva torrencial até Hyde Park. O protesto foi completamente ignorado pelos políticos, que não se importaram com as pessoas encharcadas ou com o número de presentes nesse dia. Porém, a acção directa fora do local de trabalho e na comunidade pode ser eficaz.

O exemplo mais famoso da história britânica recente é a “Poll Tax”. Quando Margaret Thatcher tentou introduzir o impopular imposto em 1989, mais de 17 milhões de pessoas pertencentes à classe trabalhadora espalhadas por todo o país negaram-se a pagar. Os grupos contra o pagamento espalharam-se por todas as comunidades do Reino Unido e montaram redes para evitar os desalojamentos e para enfrentar os agentes judiciais. Em 1990, Thatcher e a sua “Poll Tax” foram derrotadas. Mais tarde, ela apareceu a chorar na televisão.

Outras campanhas similares lograram parar a subida do preço da água (1993-1996) e das taxas de recolha do lixo (2003-2004) na Irlanda. Em 2011, os trabalhadores gregos iniciaram a campanha “Não vamos pagar” contra a subida crescente do preços, negando-se a pagar as portagens das auto-estradas ou os bilhetes dos transportes públicos e alguns médicos negaram-se a cobrar dinheiro aos seus pacientes.

Na Europa continental também se têm expandido os “bloqueios económicos”. Quando a greve não consegue ser efectiva, os estudantes, trabalhadores e outros manifestantes bloqueiam as estradas principais ou a rede de transportes. A ideia é impedir as pessoas de irem trabalhar ou a tentativa de abrandar o transporte de mercadores e serviços. Neste caso, os manifestantes bloqueiam a economia da mesma maneira que uma greve.

Centenas de milhares de pessoas estiveram envolvidas neste tipo de acções, rompendo com as tácticas ineficazes e aprovadas pelo governo, como o “lobbying” e as marchas de “A a B”.

Rejeição da Impotência

A acção directa é a rejeição da ideia que temos de não poder mudar as nossas condições. A melhoria das condições de vida não vem desde cima, elas devem ser (como sempre hão sido) conquistadas através da luta.

Sempre nos recordam que o povo lutou pelo direito de voto. Raramente, contudo, são escassas as ocasiões em que nos mencionam como lutaram os trabalhadores pelo estado social, por uma habitação decente, pelo sistema de saúde, por um salário digno e horas decentes de trabalho ou por condições de trabalho mais seguras e pensões.

Mas a acção directa é mais de que um meio efectivo para defender ou melhorar as condições. É também, como nos diz o anarco-sindicalista Rudolf Rocker, a “escola do socialismo”, que nos prepara uma sociedade mais livre e que muito de nós aspira a criar.

Tal como a abordagem defendida por Bill Shankley, antigo treinador do Liverpool F.C., para a vida e para o futebol, a acção directa implica um esforço colectivo e que todos trabalhemos e nos ajudemos uns aos outros para um bem comum. Ao recorrer à acção directa, mesmo quando cometemos erros, aprendemos por experiência que não temos de deixar as coisas nas mãos dos “especialistas” ou de políticos profissionais. Esse caminho oferece unicamente traição e falsas promessas, prolongando assim o sentimento de impotência.

A acção directa ensina-nos a controlar as nossas próprias batalhas, a construir uma cultura de resistência que una outros trabalhadores na sua luta.

E conforme cresce a certeza na força da nossa solidariedade, também isso irá fortalecer a nossa confiança na nossa capacidade de mudar o mundo. E, desta forma, passaremos de controlar as nossas próprias lutas a controlar as nossas vidas.

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